quarta-feira, 22 de abril de 2009

Livro que analisa o papel da imprensa nas "Diretas-Já"

da Folha Online

O livro "Jornalismo e Política Democrática no Brasil", editado pela Publifolha, investiga o papel da imprensa durante quatro momentos-chave da história do país: as Diretas Já, as eleições de 1989, o Plano Real e o governo FHC e a disputa presidencial de 2002.

Saiba mais sobre o título.

Leia abaixo o trecho do livro que analisa a cobertura das Diretas-Já pela Folha e outros veículos.

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JORNALISMO DE MERCADO EM BUSCA DA DEMOCRACIA: UMA ANÁLISE DA FOLHA DE S.PAULO E A COBERTURA DAS DIRETAS-JÁ

Reprodução

Livro mostra importância da imprensa na transformações da política brasileira
Livro mostra importância da imprensa na política brasileira

INTRODUÇÃO

A campanha das Diretas-Já, de 1984, marcou profundamente a história brasileira. Menos pelo fato do movimento cívico não ter sido bem-sucedido ao exigir o retorno da democracia representativa civil, e mais porque ofereceu um desafio inquestionável à continuidade da ditadura militar (1964-85) no país, servindo como catalisador para o fim de um regime autoritário que começava a entrar em definitiva decadência.

Manifestações cívicas em massa exigindo Diretas-Já ocuparam as principais ruas das capitais do Brasil durante os últimos meses de 1983 e os primeiros de 1984. As marchas tinham como objetivo principal pressionar os deputados a aprovar no Congresso, em 25 de abril de 1984, a emenda constitucional de Dante de Oliveira, restabelecendo as eleições diretas para presidente. A emenda foi rejeitada, deixando vários segmentos da população e representantes da sociedade civil frustrados. A campanha das eleições diretas pode então ser vista como um movimento crucial na luta para acelerar a queda do regime militar. Muitos setores da sociedade finalmente acordaram de seu longo sonho nos primeiros meses de 1984 para exigir o fim da ditadura.

Apesar de ter sido oficialmente anulada, a censura de Estado sobre a mídia ainda era utilizada. Em 1984, ela parecia ser uma sombra escondida em todas as redações. Devido aos temores, a maioria da grande imprensa se engajou inicialmente de forma tímida na campanha das Diretas-Já, com uma tendência a reproduzir os pontos de vista do regime e a de se atrelar aos discursos oficiais, apoiando o movimento cívico basicamente nos últimos meses. O jornal Folha de S.Paulo emergiu como o primeiro grande diário a explicitamente levantar a bandeira a favor das eleições diretas, ao assumir uma posição militante e ativa destacada na época em relação aos outros jornais, principalmente devido às críticas agressivas ao establishment militar.

Outros grandes veículos de comunicação como os jornais Estado de S. Paulo e O Globo hesitaram mais, decidindo apoiar as eleições diretas pouco antes do voto no Congresso. Como a Folha, mas com menos empenho, revistas como Veja e Isto É também endossaram o movimento, como maneira de sinalizar para o público que estavam cortando os laços com a ditadura militar. A Folha viu no apoio uma oportunidade para se capitalizar jornalisticamente.

Mesclando pragmatismo de mercado com interesses políticos e econômicos, optou por explorar o vácuo deixado na grande esfera pública midiática, anteriormente ocupado principalmente por fontes tradicionais militares e empresariais. O jornal começou então a se apresentar como um novo tipo de porta-voz da intelligentsia brasileira.

Em competição com o rival mais conservador - o Estado de S. Paulo, que durante o final dos anos 70 havia se erguido como o principal jornal do país, apesar de ter apoiado, sem grande entusiasmo, o golpe militar de 1964 - a Folha abandonou a posição passiva em relação à ditadura. Dos anos 70 em diante, começou a adotar uma linha editorial de confronto, defendida em meio aos compromissos assumidos pelo regime de promover uma transição lenta e gradual de volta à democracia civil *. Neste contexto, a cobertura das Diretas-Já pela Folha marcou o pico de seu engajamento com o jornalismo militante político. Com isso, conseguiu criar os meios para pavimentar sua posição como o diário político mais influente do país. A Folha, como a maior parte da grande imprensa, deu apoio ao golpe militar de 1964 e a deposição do então presidente João Goulart, um político que planejava realizar reformas sociais controversas no país. Os anos da ditadura viram, portanto, o alinhamento da maior parte da mídia com o regime, com a imprensa alternativa funcionando como palco da resistência militante (Alzira de Abreu, 2003; Waisbord, 2000). A grande imprensa, no entanto, também lutou contra a censura e chegou a brigar com os generais durante todos esses anos, o que será examinado no Capítulo 6.

Apesar de a censura ter acabado em 1984 e o país ter entrado numa fase de transição, temores em relação ao retorno dessas práticas repressivas eram realidade. As ações dos jornalistas estavam limitadas pelas rotinas de autocensura e pelo possível retorno de uma censura explícita. Muitos jornalistas ou se engajavam no jornalismo militante, ou reproduziam as visões oficiais que reafirmavam os medos dos generais de um retorno rápido à democracia. Outros viram a oportunidade para usar as páginas da mídia para pressionar por mudanças. Este capítulo disseca, portanto, a cobertura da campanha das Diretas-Já realizada pela imprensa escrita à luz desta perspectiva específica.

A cobertura da Folha aparece aqui como o estudo de caso principal deste capítulo. Os seis meses da campanha realizados antes da rejeição da emenda Dante de Oliveira, no dia 25 de abril de 1984, são explorados criticamente. A análise textual contou com um total de 871 matérias jornalísticas sobre o movimento, incluindo 378 textos e artigos dos jornais Folha de S.Paulo, 342 do Globo, 74 de O Estado de S. Paulo, 70 do Jornal do Brasil, 15 das revistas Veja e 12 da Isto É (Tabela 2.1). Esta investigação cobre o período de novembro 1983 a abril de 1984, e se concentra principalmente na última fase da campanha.

Este capítulo debate a dimensão do impacto que a grande imprensa teve e, em especial, a cobertura da Folha no avanço da democracia; discute as reformas realizadas pelo jornal em 1984, e como estas contribuíram para moldar o atual jornalismo contemporâneo brasileiro. Há bastante controvérsia em relação às contribuições realizadas pela Folha de S.Paulo. Críticos radicais (Carta, 1988; Arbex Jr., 2001; Kucinski, 1998) sugeriram que a cobertura da Folha foi pura estratégia de marketing, um "projeto democrático para o mercado". Essa afirmação é parcialmente verdadeira, embora o assunto seja muito mais complexo e mereça ser mais bem examinado. Uma análise mais detalhada merece ir além do preconceito de mercado, levando em consideração narrativas históricas e as influências que elementos socioeconômicos e políticos tiveram sobre o jornalismo, bem como as múltiplas culturas jornalísticas nas redações e os diferentes projetos democráticos para o país.

Sem dúvida, a Folha soube, talvez melhor do que qualquer outro órgão, fazer uso das divisões que emergiram nos grupos das elites da sociedade brasileira em relação ao futuro do país. Certos grupos, entre eles intelectuais e políticos de centro-esquerda, representantes da sociedade civil, de sindicatos, de alguns setores do mundo empresarial, bem como segmentos de uma classe média desiludida, perceberam que o ciclo do regime militar havia chegado ao fim. A Folha de S.Paulo também acreditava que a mudança era necessária, e logo entendeu que o jornal só iria prosperar de fato numa sociedade capitalista avançada inserida numa lógica liberal de mercado (Lins da Silva, 1988; Novelli, 2002).

Este trabalho teve início com a reconstrução da campanha, examinando as diferentes fases do movimento e a posição ambígua tomada pelos generais militares. A segunda metade deste capítulo olha para a cobertura da Folha, mesclada com um exame crítico das particularidades do modelo de jornalismo opinativo do diário à luz do compromisso com o seu projeto editorial de 1974. Segue-se depois uma deliberação sobre as reformas pró-mercado conduzidas pelo jornal que, como veremos, não representaram uma ruptura total com as ações do passado. Após as Diretas-Já, a Folha deixou de lado o jornalismo mais opinativo para atender às demandas de mercado, consolidando-se dentro do modelo de jornalismo comercial norte-americano. O sucesso da cobertura elevou a circulação do jornal, ao atrair novos grupos de leitores entre diversos setores da sociedade brasileira. O número de leitores cresceu, expandindo-se para além dos representantes da sociedade civil organizada e as elites intelectuais, militares e empresariais.

Em analogia ao argumento de Habermas (1989) sobre o declínio da esfera pública em meio ao crescimento da imprensa comercial, pode-se dizer que as mudanças da Folha foram um reflexo tanto da evolução da imprensa como da esfera pública naquele momento particular na história do Brasil. De forma semelhante à discussão de Hallin (1994) sobre a transformação da imprensa norte-americana de veículos de debate político nos séculos 18 e 19 para empreendimentos comerciais jornalísticos, um fato que paradoxalmente democratizou o mercado dos jornais, as reformas de 1984 da Folha de S.Paulo tiveram dupla função. Democratizaram o acesso aos jornais de qualidade mas, ao mesmo tempo, indicaram que uma ameaça poderia surgir em relação à expansão dos valores de cidadania no jornalismo. Entretanto, antes que esse debate seja explorado em maior detalhe, é necessário avaliar o significado da campanha das Diretas-Já para entender melhor os motivos que levaram a Folha a ganhar por ter apoiado o movimento.

*A abertura do regime ocorreu em meio às tensões entre os militares da linhadura que temiam a subida da oposição e os setores mais moderados que eram favoráveis ao aceleramento do retorno à democracia. O governo de Ernesto Geisel (1974-79) foi o responsável por tirar as leis de censura impostas à imprensa e as medidas repressivas do Ato Institucional de 1968 (AI-5), criadas no ano que inaugurou a fase mais negra da ditadura.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Tancredo só aceitou operação após garantia da posse de Sarney

Marcos Chagas e Iolando Lourenço
Repórteres da Agência Brasil


Brasília - Ciente de que estava tomado por uma infecção de grande proporção dias antes de tomar posse na Presidência da República, Tancredo Neves resistiu até o último momento a submeter-se a uma cirurgia pela equipe do Hospital de Base. O primo Francisco Dornelles (PP-RJ), indicado à época para assumir o Ministério da Fazenda, recorda que o grande receio de Tancredo Neves era que o então presidente João Baptista Figueiredo se recusasse a dar posse ao vice-presidente José Sarney.

Já internado no Hospital de Base, com toda a equipe cirúrgica de prontidão, Tancredo disse a Francisco Dornelles que não se submeteria à operação caso não tivesse a garantia de que Figueiredo empossaria Sarney.

Francisco Dornelles recorda que não lhe restou alternativa a não ser garantir ao primo que o general-presidente empossaria Sarney.

As articulações para a posse de Sarney, de acordo com informações compiladas pela Fundação Getulio Vargas (FGV), já estavam, naquele momento, sob a condução do então presidente da Câmara Ulysses Guimarães (PMDB-SP) e do ex-ministro-chefe da Casa Civil Leitão de Abreu.

“Eu posso garantir ao senhor que o Figueiredo dá posse ao Sarney”, respondeu Dornelles ao presidente.

Só com essa garantia Tancredo Neves aceitou submeter-se à primeira de sete cirurgias para tentar amenizar o quadro de fortes dores abdominais.

Tancredo Neves morreu há 24 anos, no dia 21 de abril de 1985, de infecção generalizada.

O senador Francisco Dornelles relembra a grande comoção nacional com a morte de um dos principais articuladores políticos do processo de transição do poder militar para o poder civil, anunciada pelo porta-voz Antônio Brito.

“Foi uma das maiores tragédias da vida pública brasileira. Tancredo fez todo o movimento de conciliação, de entendimento e de concórdia, chegou à Presidência da República totalmente maduro para governar o Brasil e um dia antes é atacado por um problema de saúde que praticamente o afasta da Presidência. Nunca a sociedade brasileira teve uma frustração tão grande como teve em abril de 1985.”